SÃO PAULINO DE NOLA E TEREZA.
Paulino de Nola é uma figura interessante da era patrística, não apenas pelas cinquenta e uma cartas e trinta e um poemas (Carmina) de sua autoria que estão preservados, mas também porque viveu o matrimônio (um matrimônio muito feliz) e teve um filho.
Por volta de 353 a 355, mesma época em que nasceu Santo Agostinho no norte de África, Paulino nasceu nas cercanias Bordeaux, oeste da França, filho de um oficial do alto escalão romano. Sua família pertencia à nobreza romana e era dona de férteis propriedades na região ocidental do império: sudoeste da Itália, Gália e Espanha. Recebeu uma ótima educação, especialmente do retórico Ausônio, com quem manteve laços duradouros de genuína amizade. Ausônio tornou-se tutor de Graziano, filho do Imperador Valentiniano, em Tréveris, e obteve para seu antigo pupilo Paulino, que estava encaminhado ao serviço público, o posto de cônsul e legislador, enquanto ele era ainda muito jovem, além da nomeação como vice-regente da província imperial de Campânia (sudoeste da Itália), com apenas vinte e seis anos de idade.
Talvez devido à vitória dos godos em Adrianópolis (378) e do iminente colapso do império, Paulino logo desistiu de seu posto no governo. Em 385, casou-se com uma jovem descendente de espanhóis, Teresa, e retornou com ela para suas propriedades nas cercanias de Bordeaux.
Mesmo sendo filho de pais cristãos, Paulino adiou o seu batismo até atingir a idade adulta. Quando a isso, seguia o costume da época - outros grandes santos como Ambrósio, Agostinho, Gregório de Nazianzo, etc., fizeram da mesma maneira. No entanto, é provável que Paulino tenha sido pressionado a receber o batismo por sua devota esposa, que lhe exercia muita influência. Em algum momento anterior ao ano de 389, recebeu o batismo das mãos do bispo Delfino de Bordeaux, e para paulino foi muito mais do que uma mera cerimônia exterior: representou o início de um intenso e íntimo processo de conversão. Ele começou a vender suas enormes propriedades e colocar os ganhos à disposição dos pobres. Ausônio, seu antigo tutor, e talvez muitos outros de sua classe social, não compreendia as mudanças que se sucediam em seu coração. Por outro lado, sua esposa Teresa, identificada com ele, acompanhou cada passo rumo a seu gradual desapego dos prazeres e das coisas passageiras deste mundo, até chegaram a viver uma vida monástica, ascética, "na humildade e na pobreza", como expressão de sua fé cristã.
Com a esposa, mudou-se para a Espanha, onde também tinha propriedades, e ali passou os cinco anos seguintes. O único filho com que foram agraciados, Celso, morreu com apenas oito dias de vida e foi enterrado em Complutum (Alcalá). O amargo sofrimento pela perda precose de um filho tão esperado e recebido com tamanha alegria - o lamento do sofrido pai na Carmen V é comovente - assim como a dor que sentiu ao perder seu irmão, assassinado, reforçaram ainda mais em Paulino e sua esposa a certeza de que deveriam viver o resto de suas vidas em pobreza e renúncia, mas especialmente em união com Deus e praticando a piedade. Paulino rendeu-se aos pedidos do povo de Barcelona e aceitou ser ordenado no dia de Natal, em 394, pelo bispo Lâmpio.
O casal, já em completa abstinência sexual, não permaneceu em Barcelona, Ambos estavam irresistivelmente inclinado à solidão e ao recolhimento.
Durante a época em que era vice-regente em Campânia, Paulino conhecera e aprendera a valorizar o silêncio e a solidão meditativa em torno do túmulo de seu santo favorito, Félix de Nola, um mártir cristão. Então, mudou-se para aquele lugar com Teresa. Em 395, ocupou uma pequena cela erguida pero do túmulo de São Félix e tentou viver uma vida monástica simples e modesta, em absoluta reclusão, separado por uma pequena distância de Teresa, que iniciou uma vida igualmente ascética nas proximidades. Teresa passou a ser, no sentido mais pleno, a "companheira de fé" de Paulino no caminho da santidade, como descreveu Santo Agostinho na Carta LVIII. Em sua Carta XXVIII, destina ao bispo Sabino de Piacenza, Santo Ambrósio escreveu:
Soube de Paulino, inigualável entre os equitanos em brilho e berço, vendeu todas as posses suas e de sua esposa e adotou práticas de fé, como entregar as propriedades aos pobres para que trocassem por dinheiro (...). Diz-se que escolheu ficar em retiro na cidade de Nola, onde passaria o resto de seus dias longe do alcance do caos do mundo. Sua esposa imitou seu exemplo de dedicação e virtude: ela transferiu suas propriedades à jurisdição de outras pessoas e seguiu o marido. Ali, totalmente satisfeita com seu pedaço de terra, confortou-se com os bens da religião e da caridade. Eles não têm filhos, mas desejam uma posteridade repleta de boas ações.
A partir das duas pequenas celas isoladas em que Paulino e Teresa viveram em renúncia e humildade, perto de onde estava enterrado o Mártir São Félix, aos poucos surgiu - acredita-se - um mosteiro duplo em um prédio com duas alas. Os homens consagrados viviam no primeiro andar de uma ala, enquanto o primeiro andar da outra ala ficara destinado às freiras. Os aposentos no térreo serviam para acolher peregrinos e desabrigados. Contígua à pequena capela em que São Félix estava enterrado, Paulino construiu uma grande igreja decorada com afrescos representando passagens da Bíblia, e esta igreja tornou-se o centro da estrutura do mosteiro. Em certo momento, o local precisou ser ampliado, pois outros casais foram juntar-se a Paulino e Teresa: Túrcio e Avita, com seus filhos já crescidos Eunomia e Asterius, além de Piniano e Melânia, a Jovem, com sua mãe, Albina. Essa carismática casa monástica, formada por cinco casais que se consagraram a Deus e praticaram a abstinência no matrimônio, era - como Paulino retrata em seu poema Carmen XXI - uma harpa mística com dez cordas que soavam em plena consonância para a glória de Deus. Em suas cartas, Paulino descreve a simplicidade de vida no local, quando a alojamentos, alimentação e vestimentas, pois a comunidade pretendia permanecer fiel a dois conceitos centrais; humildade e pobreza. Seu alimento espiritual era a Palavras de Deus nas Sagradas Escrituras.
Na primeira década do século V, os godos chegaram ao sul da Itália e saquearam toda a região. Durante aqueles dias turbulentos, o bispo de Nola faleceu, e nos ano de 409 Paulino foi escolhido para suceder-lhe, sendo consagrado bispo. Pouco se sabe sobre o episcopado de São Paulino. Em 22 de junho de 431, o marido fiel que se tornara bispo faleceu; cerca de vinte anos antes, fora sua igualmente nobre a esposa que partira para sua eterna recompensa em 409.
HOLBÖCK, Ferdinand. Santos Casados: A santidade no matrimônio ao longo dos séculos. P. 51-54, RS: Minha Biblioteca Católica 2020.
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