A santidade do matrimônio ao longo dos séculos.
SANTA CLOTILDE E CLÓVIS
Santa Clotilde foi uma abençoada esposa cuja poderosa fé fez o marido pagão converter-se ao catolicismo, e o resultado disso foi que um povo inteiro encontrou o caminho para a fé.
Clotilde fazia parte da linhagem real de Borgonha. Com a intenção de manter-se absoluto no trono, o Rei Gundebaldo condenou seu irmão e corregente, Quilperico, à morte pela espada, e a esposa de seu irmão foi afogada com uma pedra amarrada ao pescoço. Ele permitiu que ficassem vivas as duas de Quilperico, Croma e Clotilde. Croma era a mais velha e tornou-se freira consagrada; Clotilde, a mais nova, nascida por volta de 474, em Lyon, acabou sendo criada na corte com Rei Gundebaldo. Como os pais de Clotilde professassem a fé católica e Gundebaldo, um ariano, tivesse se tornado tolerante o suficiente agora que detinha sozinho o poder, ele permitiu que Clotilde permanecesse católica e praticasse a sua fé na corte.
Ainda que a maioria das tribos germânicas da época já tivesse aceito o cristianismo, mesmo na forma herética do arianismo, os francos viviam afastados no baixo Vale do Reno e, no princípio, eram pagãos. O Rei Clóvis mostrou-se um germânico nato em sua maneira de pensar quando sentenciou: "Apenas quando o Deus dos cristãos provar-se maior que todos os nossos deuses eu acreditarei nele e desistirei do paganismo". Os enviados de Clóvis faziam negócios frequente na corte do Rei de Borgonha. Impressionaram-se cada vez mais com a beleza e a prudência de Clotide e contaram isso ao rei. Logo ele pediu a Gundebaldo, Rei de Borgonha, que lhe desse Clotide como esposa, e seu pedido foi aceito. Isso aconteceu por volta de 493.
Então, casada com o Rei Clóvis, Clotide não descansou enquanto não converteu seu esposo à fé católica, o que sabemos graças aos relatos de São Gregório de Tours.
Ele escreve:
A primeira criança gerada por Clotilde era um menino. Ela queria ter seu filho batizado, e pressionou o marido a concordar com tal ideia. "Os deuses em que você crê não são bons deuses", ela dizia. "Eles sequer foram capazes de ajudar-se a si próprios, que dirá aos outros. São esculpidos em pedra, madeira ou qualquer tipo de metal antigo. Os nomes que vocês deram a eles são nomes de homens, não de deuses... Você deveria adorar Aquele que do nada criou, com Sua palavra, a terra, o céu, o oceano e tudo o que neles existem; Aquele que fez o sol brilhar, que encheu o céu de estrelas, povoou as águas de peixes, a terra de feras, os céus de seres voadores; Aquele que, com um aceno, fez os campos darem frutos, as árvores darem maçãs, as parreiras, uvas; Aquele cujas mãos fizeram a raça humana, por cujo dom toda a Criação é compelida a servir em respeito e devoção ao homem que Ele criou". Entretanto, quanto mais a rainha o dizia, menos o rei acreditava: "Todas essas coisas foram criadas e produzidas por ordens de nossos deuses", ele respondeu. "É óbvio que seu deus nada pode fazer, e, além disso, que há provas de que ele sequer seja um deus".
A rainha, que era fiel à sua fé, levou o filho para ser batizado. Ela pediu que a igreja fosse decorada com enfeites e cortinas, na esperança de que o rei, ainda descrente, fosse atraído pela cerimônia. O filho foi batizado com o nome de Ingomir, porém, logo que recebeu o batismo, a criança faleceu em suas vestes brancas. Clóvis ficou irado em extremo, e pôs-se imediatamente a repreender sua esposa. "Se ele fosse entregue aos meus deuses", disse, "certamente teria sobrevivido. Mas como foi batizado em nome de seu deus, não resistiu nem por um único dia". "Agradeço a Deus Todo-Poderoso", respondeu Clotide, "Criador de todas as coisas, que não me considerou totalmente indigna, pois permitiu que fosse recebida em Seu reino uma criança concebida em meu ventre. O que ocorreu não de desespera, pois sei que meu filho, chamado para longe desse mundo em suas vestes batismais, será criado sob os olhos divinos".
Algum tempo depois, Clotilde deu à luz um segundo filho, batizado Clodomiro. Certo dia ele adoeceu e Clóvis logo concluiu: "O que mais você esperava? Acontecerá com ele o mesmo que aconteceu com o irmão: logo depois do batismo em nome de seu Cristo ele morrerá". Clotilde rezou para Deus e, graças a Ele, seu bebê se recuperou.
A rainha continuou a rezar para que seu marido reconhecesse o verdadeiro Deus e desistisse da adoração aos ídolos. Nada podia persuadi-lo a aceitar o cristianismo. Por fim, declarada a guerra contra os alamanos, Clóvis foi coagido a aceitar o que sempre negara de livre e espontânea vontade. Quando os dois exércitos encontraram-se no campo de batalha, houve um grande massacre e as tropas de Clóvis foram rapidamente aniquiladas. Ele ergueu os olhos ao céu quando testemunhou isso, sentiu um calafrio no peito e lágrimas caíram de seus olhos. "Jesus Cristo", ele disse, "Tu que Clotilde diz ser o Filho do Deus vivo, que concedes ajuda àqueles que trabalham arduamente e vitória àqueles quem em Ti creram, peço com fé a glória do Teu auxílio. Sem me ajudares a vencer meus inimigos, e seu eu puder ver as provas desse poder milagroso que as pessoas devotas de Teu nome dizem ter conhecido acreditarei em Ti e serei batizado em Teu nome. Fiz esse mesmo pedido aos meus deuses, porém, como posso ver claramente, eles não têm nenhuma intenção de me ajudar. Por isso, não creio que tenham poder algum, já que não podem socorrer quem confia neles. Agora, peço-te. Quero crer em ti, mas preciso ser salvo de meus inimigos". Assim que Clóvis disse isso, os alamanos viraram as costas e puseram-se a fugir, e, assim que viram morto o seu rei, entregaram-se a Clóvis: "Imploramos que ponha um fim a esse massacre. Estamos pronto para obedecê-lo". Clóvis pôs fim à guerra e pronunciou um discurso de paz. Então voltou para casa e contou à rainha como havia vencido ao invocar o nome de Cristo. Isso aconteceu no décimo quinto ano de seu reinado.
A rainha então pediu que São Remígio, bispo de Reims, fosse convocado em segredo. Ela implorou que ele desse a a palavra de salvação ao rei. O bispo pediu um conversa particular com Clóvis e começou a persuadi-lo a crer no verdadeiro Deus, Criador do céu e da terra, e a abandonar seus ídolos, impotentes em ajudar a ele ou a qualquer outro. O rei respondeu: "Escutei-o de boa-fé, santo padre. Porém, há um obstáculo. As pessoas sob o meu comando não concordarão em abandonar seus deuses. Direi a elas tudo o que você disse a mim". Ele convocou um encontro com seu povo, mas o pode de Deus o precedera, e, antes que o rei lhes dirigisse uma única palavra, os presentes disseram, em uníssono: "Nós abandonaremos a adoração a nosso deuses mortais, nosso bom rei, e estamos prontos para seguir o Deus imortal sobre o qual Remígio nos aconselhou". Essa notícia foi dada ao bispo, que ficou bastante satisfeito e ordenou que se preparasse a pia batismal. As praças foram enfeitadas com tecidos coloridos, as igrejas, adornadas com tecidos brancos, preparou-se o batistério, batistério, bastões de incenso produziam nuvens perfumadas, velas de doce perfume reluziam, e o local sagrado batismo preenchia-se da fragrância divina. Deus derramou sobre os corações de todos os presentes tamanha graça que eles imaginaram-se levados a algum paraíso perfumado. O Rei Clóvis perguntou se poderia a ser batizado pelo bispo. Como um novo Constantino, ele dirigiu-se à pia batismal, pronto para lavar as feridas de sua antiga lepra e pela água corrente ser purificado das sórdidas máculas que carregara por tanto tempo. Ao avançar para o batismo, o santo homem de Deus dirigiu-se ali com as seguintes palavras: "Incline a cabeça com humildade, sicambro (os merovíngios diziam-se descendentes dos sicambros). Adore o que você queimou; queime o que você costumava adorar".
O Rei Clóvis confessou sua crença em Deus Todo-Poderoso, três em um. Ele foi batizado em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo, e marcado pelo santo crisma com o sinal da Cruz de Cristo.
Depois de seu batismo no Natal do ano de 499 - três anos após a batalha de Tolbiac - O Rei Clóvis viveu com sua esposa Clotilde por mais doze anos. Ele faleceu em 511, aos quarenta e cinco anos de idade. Clotilde tinha trinta e oito na época.
Viúva, após cerca de vinte anos de vida conjugal, Clotilde passou por muitos sofrimentos antes de deixar este mundo, em 3 de junho de 545, especialmente devido à morte de seu filho Clodomiro e aos crimes cometidos por seus outros dois filhos, Clotário e Quildeberto, contra os filhos daquele.
Ela retirou-se para Tours e ali viveu como freira. Renunciando a todas as propriedades, investiu uma significativa soma no cemitério de São Martinho e em outros santuários e viveu "não como um rainha, mas como uma serva de Deus", segundo Gregório de Tours. Embora nunca tenha sido oficialmente canonizada, Clotilde sempre foi reverenciada como santa.
HOLBÖCK, Ferdinand. Santos Casados: A santidade do matrimônio ao logo dos séculos. P. 60-64, RS: Minha Biblioteca Católica 2020.
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